O conhecimento de si mesmo é a mãe de todo conhecimento.

terça-feira, 16 de março de 2010

Apreciando um conto.



Comecei a ler o romance dias antes. Abandonei-o por deveres urgentes (tinha que estudar para os testes). Retomei à leitura quando voltava de ônibus à minha casa, interessava-me lentamente pela trama, pelo desenho dos personagens. Nesse fim de tarde, cheguei em casa e após discutir com a minha mãe que já havia saído com meus irmãos, voltei ao livro na tranquilidade do meu quarto que dava para a janela do vizinho. Deitada de bruços em minha cama com a porta encostada, pus-me a ler os últimos capítulos. Minha memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a fantasia novelesca absorveu-me quase em seguida. Gozava do prazer de me afastar, linha a linha, daquilo que me rodeava, sentindo ao mesmo tempo que minha cabeça descansava comodamente no travesseiro encostado na parede, que meu suco continuava ao alcance da mão, que além do silêncio, um vento fresco não muito forte com o cheiro do entardecer. Palavra por palavra, absorvida pela trágica desunião dos heróis, deixando-me levar pelas imagens que se formavam e adquiriam cor e movimento, fui testemunha do último encontro em uma praça vazia do bairro. Primeiro estava a moça receosa, agora chegava o jovem amante, a perna ferida por um pequeno acidente de moto. Ela preocupara-se admiravelmente, mas ele recusava a ajuda, não viera para repetir as cerimônias de uma paixão secreta protegida por um mundo de caminhos escondidos e folhas secas. Um punhal ficava morno ao seu peito e debaixo batia a liberdade escondida. Um diálogo envolvente corria pelas páginas como um riacho de serpentes, e eu sentia que tudo estava decidido desde o começo. Mesmo essas carícias que envolviam o corpo do amante, como que desejando retê-lo e dissuadi-lo, comentavam desagradavelmente a figura de um outro corpo que desejavam destruir. Nada fora esquecido: Impedimentos, azares, possíveis erros. A partir dessa hora, cada instante tinha seu emprego minuciosamente atribuído. O reexame cruel mal se interrompia para que a mão de um acariciasse a face do outro. Já havia escurecido. Ligados firmemente à tarefa que os aguardava, separaram-se na esquina. Ela devia subir a rua a esqueda. Do caminho oposto, ele se voltou um instante para vê-la correr com o cabelo solto ao vento. Correu por sua vez, esquivando-se de carros e pessoas até destinguir sobre a fraca luz dos postes, o prédio que o levaria ao apartamento. O porteiro e vizinhos não deviam vê-lo, e não o viram. A família não estaria àquela hora, e não estavam. Subiu os degraus da escadaria e entrou. Pelo sangue galopando em sua cabeça chegavam-lhe as palavras da amada: Primeiro uma sala amarela, depois um corredor e no fim um espelho na parede; Ninguém no banheiro à esquerda, à direita uma porta encostada, e então o punhal na mão, o silêncio, um vento fresco não muito forte, em um travesseiro encostado na parede, a cabeça de uma garota na cama lendo um romance.

[...]

- Paródia que fiz de um conto que eu adoro:
Continuidade dos parques, de Júlio Cortazar.


2 comentários:

  1. Vale a pena o vocábulo pq, pra mim, é belíssimo o conto! Eu espero que vc tenha entendido a história! =D

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